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Foto do escritorDr. Ricardo Abel Evangelista

O que o psiquiatra faz?

Atualizado: 1 de jul. de 2020



Jean-Martin Charcot lecionando - por André Brouillet

A experiência de procurar um psiquiatra pela primeira vez não é fácil para a maioria das pessoas. Parece ser bem mais simples buscar ajuda para problemas saúde que não envolvam o campo mental. Quando alguém se sente emocionalmente "estranho" de forma duradoura, ou apresenta comportamentos atípicos, ou começa a ter pensamentos incontroláveis, por exemplo, é aí que o sofrimento pode ser suficiente para finalmente ir ao psiquiatra. Procrastinar muito para ir ao psiquiatra é a regra, não a excessão.


Penso que a culpa disto seria da própria psiquiatria por ao menos dois motivos: um, de cunho histórico, pois no passado os transtornos mentais tinham tratamentos com resultados parciais e deixavam bastante a desejar, ainda por cima com efeitos colaterais associados. Naqueles tempos, por carência de recursos terapêuticos eficazes, muitos casos podiam se agravar ou se cronificar. Muitos pacientes tinham crises recorrentes e precisavam de internações com freqüência e estas costumavam ser longas. Era o que se podia fazer com os recursos de então. Estas marcas históricas se fixaram na fachada da psiquiatria para muitas pessoas até hoje. Claro que essas pessoas não ficaram a par dos intensos avanços científicos que ocorreram nesta área médica pela segunda metade do século XX e XXI até agora. O outro motivo é de cunho essencialmente folclórico. Diz respeito ao suposto perfil do paciente psiquiátrico que ninguém quer ter. Embora não exista este “perfil”, já que a psiquiatria se ocupa de tantos tipos diferentes de transtornos mentais, distúrbios emocionais, cognitivos e compartimentais, que torna impossível haver um único “perfil” de paciente psiquiátrico. O folclore instalado a este respeito advém do estereótipo associado a casos de psicoses graves, que afastam o indivíduo da realidade compartilhada e que podem gerar comportamentos bastante bizarros. Evidente que generalizar o “perfil" dos pacientes da psiquiatria a esta fatia específica é de um reducionismo absurdo. E, cá entre nós, mesmo estes pacientes portadores de quadros psicóticos, se bem tratados, têm os sintomas controlados e melhoram drasticamente sua qualidade de vida e integração social.


O que nós psiquiatras fazemos não é rotular as pessoas para que elas se enquadrem num certo padrão certo de comportamento. Também não temos pretensões higienistas, de livrar a sociedade dos “diferentes”. O que fazemos é usar ferramentas para o exame do estado mental que provêm da disciplina de psicopatologia e identificar os sofrimentos individuais. Ouvimos as queixas das pessoas que vêm até nós, identificando sintomas. Eventualmente, contamos com apoio de algum exame laboratorial ou de imagem do sistema nervoso central e, assim, usamos toda esta coletânea de informações para vermos se o quadro em avaliação se encaixa em alguma categoria nosológica conhecida, ou seja, se é sugestivo de algum transtorno mental que possa ser tratado. Os tratamentos têm a única finalidade de libertar o indivíduo da prisão de sintomas em que vivia. Há tratamentos de curto, médio e de longo prazos a depender do diagnóstico - apesar deste ser tema para um outro texto, já deixo a dica: sim, há tratamentos breves e finitos para certos transtornos mentais, assim como existem os casos que exigem tratamentos sem prazo para término.


Outra questão muito falada na boca pequena, é que "o médico psiquiatra não quer que seus pacientes tenham emoções” ou ainda que “para o psiquiatra as pessoas não podem chorar pois se estiverem tristes elas têm que tomar remédio”. Seria como se ter tristeza, ansiedade, alegria, raiva ou medo fosse errado pois as pessoas têm que se enquadrar no modelo “certo" (o que quer que isso signifique). Nada mais distante da verdade. O que fazemos é avaliar se certos parâmetros presentes nas emoções saudáveis estão presentes ou se estão deformados e arruinando a qualidade de vida de modo permanente. Estes parâmetros, de forma bastante sintética, seriam: (i) causa da emoção, (ii) proporção da emoção e (iii) duração da emoção. Ou seja, os estados emocionais ditos normais ou saudáveis (não entrarei aqui na discussão do conceito que adotamos de normal, mas abordarei isso em outro texto), que sentimos no dia a dia, obedecem a estes três parâmetros inevitavelmente ou seja, emoções de todo tipo sempre são provocadas por estímulos (pensamentos ou fatos externos) - estas seriam as causas; sempre atingem certa intensidade de acordo com o que aconteceu para produzi-la - esta seria a proporção do estado emocional, ou seja, o “tamanho” da sensação guarda certa proporcionalidade ao que a provocou); e sempre duram por um prazo, tendo o ápice em algum momento após a provocação e durando até certo tempo, esvanecendo gradualmente até que cessam. É claro que não existem réguas para medir a intensidade das emoções das pessoas ou uma tabela de durações normais para que uma pessoa possa ficar triste, irritada ou com medo; isto é apenas um construto teórico que ilustra o uso de ferramentas da disciplina de psicopatologia clínica na avaliação dos estados emocionais, ajudando a diferir o patológico e o não patológico. Tudo isso alicerçado pela comunicação verbal e não-verbal do paciente e sempre levando em conta o comparativo fundamental de como costumavam ser o psiquismo e comportamento do paciente com como como estão hoje.

Quando o psiquiatra detecta algum transtorno mental, o que ele faz é formular uma hipótese de diagnóstico, falar ao paciente sobre esta conclusão e propor um plano de tratamento. Um diagnóstico não é uma sentença definitiva, mas apenas um jeito sistematizado de organizar sinais e sintomas sob um nome específico. Esta prática é derivada do método hipocrático e facilita demais a comunicação entre médicos e o estabelecimentos de estudos e tratamentos que e podem ser feitos através de farmacoterapia, psicoterapia ou pela combinação de ambas. Em suma, o que o psiquiatra faz é o que o médico jura em sua formatura acadêmica: "Curar algumas vezes, aliviar muitas vezes, amparar sempre".



"Helping Hand" - por Wayne Pascall

por Ricardo Abel Evangelista.

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