O amor, um sentimento tão comentado em prosa e verso ao longo da história da humanidade, por todos os povos e culturas, pode também ser traduzido de forma menos poética mas não menos fascinante pelo viés das ciências biológicas ou, mais precisamente, da psicologia evolutiva.
Segundo esta abordagem, o sentimento amoroso corresponderia a uma forma sofisticada de apego, ou de conexão afetiva, que surge entre a fêmea e seu filhote. Especialmente dentre os mamíferos, esta conexão foi definidora para a sobrevivência das várias espécies já que quando ocorre falha nesse sistema de apego a prole fica exposta ao abandono, ao risco de inanição, a intempéries e a predadores.
Do ponto de vista neurofisiológico, a gestação, o parto e a amamentação elevam muito os níveis de ocitocina, hormônio produzido no hipotálamo e armazenado na neuro-hipófise que, quando estimulada, ativa circuitos cerebrais relacionados à recompensa e ao prazer, consolidando o vínculo maternal.
Até aqui ficou clara a formação do vínculo afetivo entre prole e progenitora, mas o mesmo mecanismo hormonal também é acionado quando ocorre a relação sexual entre adultos, havendo grande disparo de ocitocina durante o orgasmo. Desse modo, a influência da ocitocina sobre o sistema nervoso centeal fortalece o laço com o parceiro.
Não apenas quando há sexo envolvido, a ocitocina está relacionada à geração das ligações empáticas entre as pessoas, em maior ou menor grau, a depender do quão prazerosa é a tal relação ou, em outras palavras, do quanto aquele relacionamento ativa as vias de recompensa e prazer do cérebro. Assim sendo, fica claro que não apenas filosoficamente, mas bioquimicamente também, a amizade é uma forma de amor.
E quando o tema é amor, nunca se escapa de falarmos sobre sua faceta mais aguda e poderosa, a que chamamos de paixão. Esta é sem dúvida a vertente mais intensa, embora não a mais duradoura, do vínculo amoroso que seres humanos podem estabelecer entre si. Etimologicamente, o termo paixão deriva da raiz grega pathos que se refere a uma perturbação do estado são (como é usado, por exemplo, na palavra "patologia" que significa "estudo das doenças”). Comparar paixão a doença pode parecer exagerado mas tem lá seus motivos.
Psicologicamente, a paixão se instala inevitavelmente na fase em que conhecemos parcialmente o parceiro, possibilitando que a parte não conhecida seja preenchida por fantasias idealizadas, quase como um delírio que a pessoa quer vivenciar. Além disso, ser amado perturba a atenção do apaixonado, roubando seus pensamentos, interferindo em sua produtividade para os estudos, trabalho ou lazer, lembrando muito um mecanismo obsessivo. A paixão é inevitavelmente ligada à impulsividade, à menor mensuração de conseqüências e até a erros de cálculo na tomada de decisões, produzindo comportamentos por vezes tão ousados quanto tolos (vejam como Homero descreveu o gatilho da Guerra de Tróia com o emblemático caso do príncipe Páris com a rainha Helena). Independente da fidedignidade histórica, fica a referência inegável a um comportamento humano muito real, que é o tal padrão apaixonado.
Biologicamente a vantagem do comportamento atirado típico da paixão seria de favorecer e precipitar o encontro sexual, embora haja certos “efeitos colaterais” como os que descrevi. Além disso, durante o estado de paixão ocorre elevação dos níveis de neurotrofinas, como por exemplo o NGF (neuronal growth factor ou fator de crescimento neural) que, por sua vez, ativa o eixo hormonal hipotálamo-hipófise-adrenal. Disso resulta a estimulação das glândulas supra-renais e liberação de cortisol - o mesmo hormônio liberado em situações de estresse. Sim: estar apaixonado é literalmente abandonar a paz interior e mergulhar definitivamente num estado de estresse emocional paradoxalmente prazeroso.
A sensação de intensidade da paixão é fruto da ativação de áreas cerebrais relacionadas à recompensa rápida (regiões ventrais dos núcleos accumbens) - da mesma forma que drogas de abuso o fazem. Disso provém a necessidade da busca por mais e mais contato com o ser amado. Por esse motivo é que há casos de pessoas que “viciam” em paixão, não tolerando quando este pico amoroso cede ao amor mais calmo e por isso acabam rompendo relacionamentos em seqüência apenas para novamente poderem se envolver numa nova paixão e desfrutarem deste êxtase.
No caso do amor mais "amadurecido", digamos assim, existe ainda o estímulo de recompensa e prazer sobre o cérebro mas neste caso de forma mais branda e estável (as regiões corticais cerebrais conseguem impor mais moderação aos impulsos restaurando a desejável equilíbrio funcional ao indivíduo que volta a funcionar melhor cognitivamente sem o transtorno da paixão. Além disso, com o passar do tempo ocorre o fenômeno de tolerância ao estímulo amoroso, ou seja, a mesma “dose" já não produz o mesmo efeito quase tóxico como era na fase de paixão, favorecendo uma ligação muito mais equilibrada e sustentável.
Por Ricardo Abel Evangelista.
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